Não  sei por onde começar esta carta que já nasce atrasada, pensamos sempre  que temos muito a dizer mas as palavras são pouco amistosas, onde  encontrá-las agora, às três e dez de uma madrugada em que me encontro insone e pensando mais uma vez em você?
Você  esperou por estas palavras por muitos meses, na esperança de que elas  aliviariam a dor do seu coração, mas elas não vieram porque estavam  ocupadas vigiando meus impulsos, me impedindo de me abrir, e minha  própria dor lhe pareceu desatenção, eu que não durmo de tanta paixão congestionada, de tanto desejo represado, de tão só que estou.
Meus  motivos sempre lhe pareceram egoístas, e se eu lhe disser que o descaso  aparente foi na verdade uma atitude consciente para preservar você, me  chamará de altruísta e não sairemos do mesmo lugar.
Eu  errei por não permitir que você me oferecesse seu afeto, eu errei ao  sobrevalorizar um risco imaginário, eu errei por achar que existem amores  menores e maiores, avaliados pelo tempo investido, pela contagem dos  beijos, pelas ausências sentidas, por tudo isto fui conduzido a um erro  de cálculo.
Não  te peço nada além de compreensão, e esta carta nem era para pedir, mas  para doar, eu que sempre me achei bom nessas coisas, o voluntário da  paz, o boa-gente oficial da minha turma.
Mas  peço: lembre de mim como alguém que alcançou a mesma medida do seu  sentimento, a mesma profundidade das suas dúvidas, o mesmo embaraço  diante da novidade, o mesmo cansaço da luta, a mesma saudade.
A  carta vem tarde c redigida com palavras covardes, as corajosas  repousam pois se imaginam já ditas e escritas, valentes foram as  palavras do início, as desbravadoras, as que ultrapassaram limites,  quando nós dois ainda não sabíamos do que elas eram capazes, palavras  audazes, febris.
Pela  enormidade de tempo que temos pela frente em que não nos veremos mais,  não nos tocaremos ou ouviremos a voz um do outro, pela quantidade de  dias em que conduzirás tua vida longe de mim e eu de ti, pela imensidão  da nossa descrença, pela perseverança da nossa solidão, pêlos nãos todos  que te falei, pelo pouco que houve de sim, acredita: te amei além do  possível, não te amei menos que a mim.
Martha Medeiros
"Cartas Extraviadas" (L & PM - Pág. 29)
"Cartas Extraviadas" (L & PM - Pág. 29)



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